Dá para atender autistas adultos em qualquer abordagem de psicoterapia?
Tatiana Perecin
2024-09-23
Supervisão
Eita questão polêmica! Para responder, temos que considerar:
O que é necessário para atender um autista?
Para começar, o psicólogo precisa entender de autismo, ou então vai fazer besteira, isso em qualquer abordagem. Autistas sofrem quando são tratados como neurotípicos, e no consultório o efeito é ainda pior. Já cansei de ver relatos de autistas que saíam da terapia em tanta sobrecarga que entravam em meltdown.
Em segundo lugar, a abordagem precisa ter mecanismos para acomodar novas informações e descobertas sobre o cérebro do autista, e para desenvolver estratégias e ferramentas frente a essas descobertas. Não há como imaginar que uma terapia que funcione para neurotípicos vai ter o mesmo efeito num indivíduo com um cérebro que tem outra estrutura e funciona de outro jeito.
Por fim, a terapia do autista tem que incluir estímulo ao neurodesenvolvimento e aprendizagem de habilidades, mesmo no atendimento a adultos. O cérebro é plástico, e havendo estimulação, aprendizagem e aquisição de habilidades continuam a ocorrer. Nunca é tarde para se desenvolver.
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A AC e a TCC ambas possuem essas características, pois são abordagens derivadas da psicologia experimental, cujas estratégias se alteram conforme avança o conhecimento sobre as condições que elas tratam.
No que se refere a outras abordagens, é preciso um olhar corajoso e sincero a respeito dessas questões. Já ouvi profissionais que trabalham com abordagens rígidas e dogmáticas dizendo que atendem autistas. Quando pergunto como incorporam os conhecimentos atuais sobre neuropsicologia ao seu trabalho - silêncio.
É natural que o profissional que investiu anos de sua formação e de sua prática em uma abordagem enfrente sentimentos contraditórios ao considerar que esta talvez não seja adequada ao atendimento de autistas. Por isso mesmo, esta reflexão incômoda é tão necessária: a defesa da utilização da sua abordagem no atendimento aos autistas acontece em função do alívio do sofrimento emocional do autista, ou do psicólogo?