Dá para falar de autismo usando vocabulário neurotípico?
Tatiana Perecin
2024-09-21
Supervisão
Comunicação e interação social são dificuldades do autismo, mas certos fatores “ajudam a atrapalhar”.
Até pouco tempo atrás autismo era investigado exclusivamente por pesquisadores neurotípicos. Estes tentavam descrever o autismo utilizando palavras comuns, sem perceber a necessidade da criação de vocabulário específico para descrever coisas que somente autistas vivenciam.
Com a chegada de pesquisadores e profissionais autistas, este contexto se altera. Começamos a perceber que dizer que autistas “não gostam” de certos alimentos não serve para falar de limitações alimentares. Todo autista come aquilo que gosta e também o que não gosta. Quando o autista recusa taxativamente algum alimento, a explicação é mais complexa do que um simples “não gostar”. A depender de como estão as áreas sensoriais do cérebro, há comidas que causam repulsa, ou sentimentos ainda mais intensos. Da mesma maneira, autistas ouvem sons baixos e altos que gostam ou não. Porém há tipos específicos de sons que causam desorientação, tontura, ou episódios de disautonomia (palpitações, sensação de desmaio, impulsos de luta-ou-fuga).
Idem quando se diz que “autista gosta de rotina” - não se trata de gostar, mas sim de precisar. “Autista não gosta de imprevistos e surpresas”. Minha gente, quem não gosta de festa surpresa? Porém ninguém quer se desorganizar a ponto de reagir mal, e magoar os sentimentos dos amigos.
Aos poucos, estamos conquistando o direito a palavras que descrevam nossas vivências específicas, além das coisas que ambos TEA e NT vivem! Da mesma maneira que um neurotípico, autistas também ficam cansados e prosseguem fazendo as coisas com menos vontade e energia. Porém, quando entramos em sobrecarga, prosseguir é arriscar um “meltdown” - quando o autista faz e fala coisas que não parecem ter lógica nem serventia - algo que nenhum neurotípico experimentou (sorte a dele).
Ainda há o que caminhar. Ainda precisamos explicar que autistas são empáticos, e sofrem com a dificuldade que os neurotípicos têm de compreender nossas experiências. A lista das atualizações necessárias é quase infinita. Mas autistas são tenazes e persistentes. Alguma hora a gente chega lá!